Às vezes é assim que me sinto. Como se não tivesse direito de contar o que acontece na minha própria cidade. Eu nasci aqui, me criei aqui e vi tudo acontecendo aos poucos.
Quando era criança “tomava” banho no Caiçara Clube de Campo. O Clube era um luxo em meados de 1970. Tinha piscina com azulejo e água tratada, mas eu preferia a piscina de madeira que abrigava uma água côr de guaraná. O Igarapé vinha lá do Parque 10 e era bem geladinho, com direito até a uma minicorredeira. Nome desse igarapé: Mindu. Lembro que ainda no ginásio (78/79) brigávamos para ver quem ia buscar a bola quando um “grosso” dava uma “bicuda” e a redondinha rolava barranco abaixo até cair no grande e profundo igarapé atrás do Solon de Lucena. Ninguém queria cair nágua, porque ali tinha piraíba gigante que engolia um moleque de uma vez! Nome desse igarapé: Mindu.
Quando meu pai tinha tempo levava eu e meu irmão para a Ponte da Bolívia. Puxa-vida: Que alegria! Lá sim é que era legal! Tinha floresta perto e o igarapé fundão aguentava um salto de cabeça da ponte. As areias das margens eram branquinhas e rolava uma pelada com moleques da hora. Na volta, lá pelas duas da tarde a gente passava pela Cachoeira Baixa do Tarumã. Estava fechado com chave de ouro o domingão!
Me lembro do dia que vi pela primeira vez a Cachoeira Alta do Tarumã. Não acreditava que estava em Manaus. A queda dágua tinha uns 20 metros de largura e sei lá quantos de altura. A água parecia Guaraná Andrade Champagne caindo daquela alturona e espumando lá embaixo. Meu pai não deixava a gente descer, mas no primeiro descuida lá estava eu e meu irmão recebendo uma ducha rápida, pois demorava muito prá subir o “penhasco” de volta.
Lá no Educandos íamos visitar a vovó. Eu gostava de ver uns moleques malucos que saltavam do alto da ponte naquela água preta que cheirava a pau-rosa. O rio dava medo só de olhar, mas era limpo e tinha muitas praias no verão. Já quase adolescente ficava imaginando como devia ser legal morar no Palácio Rio Negro, cercado na lateral e nos fundos por um lindo igarapé que abrigava muitas marrecas e jaçanãs.
É quando me lembro de tudo isso que me sinto um estrangeiro, morando na minha cidade. As memórias queridas da infância não se apagaram, mas a paisagem de hoje é outra. Graças a Deus estou criando meus filhos no que ainda resta de florestas e água corrente limpa na minha cidade. Quero dar a eles motivos para pelo menos lembrarem de uma Manaus que em pleno século 21 tinha uma floresta e um igarapé vivos.
Agradeço ao meu querido e fragilizado Tarumã por esta oportunidade. Agradeço a Deus por não permitir qua a brutalidade e o descaso manauara acabasse “Prosaminzando” o último igarapé limpo e vivo da Cidade. Viva o Igarapé Água Branca! Viva suas florestas de entorno!, Viva suas flores, animais e pássaros!
O mínimo que posso fazer é cuidar de ti. Enfrentar quem te agredir e contar tua estória de vida ou morte, mesmo que para isso, tenha que ser tratado como um estrangeiro metido em assuntos da realeza burguesa e burra que não valoriza a natureza e te ameaça com aeroportos, bregas, condomínios,estradas, loteamentos e muita truculência.
Eu me sinto um estrangeiro passageiro de algum trem
que não passa por aqui, não… (Engenheiros do Havai – que também poderiam ser daqui).
3 comentários:
Parabéns Jo, este texto é fantástico deve ser falado em grandes reuniones sobre meio ambiente essas questioes todas que nos batalhamos tanto para vivermos um mundo melhor.
Merece ser transformado numa peça de teatro.
Luiz Vitalli
Obrigado!Um elogio destes vindo de uma referência em teatro como voce, só nos fortalece e reforça nossa vontade de continuar lutando pelo esquecido Tarumã. Só depende de voce. Podemos inciar uma conversa sobre a possibilidade de transformarmos em peça a luta do nosso igarapé pela sobrevivência.
Poxa vida seriaumabeleza se uma peça de teatro fosse criada para reforçar a luta peloigarapé.
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