Na Amazônia vivemos entre muito sol e muita chuva. Prá nós “cabocada” o inverno é chuvoso e o verão é um sol de lascar, mesmo! Este ano particularmente sofremos com uma onda de calor intensa, agravada com a fumaça de milhares de queimadas na vasta Amazônia. O igarapé Água Branca, um dos ainda vivos no perímetro urbano de Manaus, suportou bravamente a provação acima dos limites. Dezenas de igarapés secarem completamente na Bacia do Tarumã. O Água Branca permaneceu firme, sustentando uma cadeia alimentar nativa da APA-Tarumã, composta por animais raros, em extinção e até espécimes ilustres desconhecidas da ciência.
Quatro áreas alagadiças ao longo de toda a extensão (mais ou menos 10 km) do igarapé, abrigam florestas inteiras de buritizais e outras frutíferas, capazes de alimentar quase da fauna silvestre que habita os fragmentos de floresta do Aeroporto Eduardo Gomes, da empresa Oriente, condomínios e terras particulares. A seca intensa trouxe para o Água Branca este anos animais nunca visualizados antes, como ariranha e vários tipos de pássaro, com destaque para o pica-pau amarelo.
O verão 2010 causou danos na APA-Tarumã com particular gravidade. Milhares de hectares de árvores em todos os fragmentos florestais da APA, foram derrubadas. Pior: continuam sendo derrubadas. Pior ainda: Órgãos ambientais que deveriam estar protegendo, estão licenciando, legalizando e colaborando para destruir aquilo que deveriam zelar. Todos os jornais da cidade, denunciaram a destruição. Ninguém foi preso, ninguém obrigado pela Lei a pelo menos reparar o dano causado. Agora o pior dos piores é que o marketing do governo estadual centraliza a floresta em pé como símbolo máximo de sua mídia. É muita cara de pau!
Por causa desta enorme destruição florestal milhares de animais perderam seus territórios, seus filhotes e seu celeiro de alimentos. Os que sobreviveram, mesmo sem seus pares, fogem desesperados para outros refúgios, onde a concentração de florestas ainda prevalece. Cada vez mais raros estes últimos fragmentos de floresta (matas do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes e de particulares) recebem toda a carga de animais desalojados. A competição por alimento é enorme e espécies mais frágeis desaparecem.
O sauin-de-Coleira ou como foi sarcasticamente batizado Sauin-de-Manaus (talvez uma tentativa pouco inteligente de esconder a extinção já anunciada do verdadeiro Sauin, o de Coleira) é um exemplo claro de extinção provocada pelo homem urbano, pela brutalidade de um urbanismo mal planejado e que avança sem sem fronteiras, sem rumo, sem fiscalização, sem planejamento e sem debate com a sociedade. O Fim dessa estrada vai dar numa cidade sem árvores, sem parques, sem rios e igarapés vivos, sem “Ilhas” anti-stress, representadas pelas florestas urbanas, presentes e valorizadas apenas nas Cidades Inteligentes, Cidades Inovadoras, Cidadãs.
Agora pressão que acabou com as matas de praticamente todas a zonas geográficas de Manaus, avança com determinação voraz e “Legalizada” sobre a última fronteira, (sem desmerecer outras áreas da cidade) a mais conservada de Manaus, APA-Tarumã. Indústrias, loteamentos gigantescos, comércio, bares, restaurantes… Tá tudo vindo para o Tarumã. Prá todo canto que se vá a destruição pode ser verificada sem dificuldade nenhuma.
Agora chegou o inverno amazônico, chuva! Muita Chuva e as previsões para a temporada que já está começando, são no mínimo preocupantes. Chuva acima do normal já é uma certeza e os danos que serão causados também. Destruição, mortes, feridos e desabrigados. Áreas habitacionais próximas a igarapés canalizados ou aterrados, serão as mais penalizadas. Nós que moramos bem perto do igarapé Água Branca, não tememos enchentes repentinas e nem trombas d'água. Pode chover o dia inteiro em Manaus sem parar que nós não vamos sofrer dano algum, sabe porque? Nenhuma casa foi construída a menos de 50 metros do igarapé, a floresta nativa está presente em 90% de suas margens desde a nascente até a foz. Essa floresta absorve a água da chuva, drena o excesso e impede o desmoronamento das margens, porque a copa das árvores se transforma numa espécie de “guarda-chuvas” meio furado, como tem que ser, para que o solo arenoso não seja “lavado” e empurrado para o igarapé.
Esse quadro não se repete na parte urbanizada da cidade. Lá o concreto, o asfalto, os aterros irregulares, a canalização dos igarapés (sem recomposição mínima da mata ciliar) a construção de casas, indústrias e o comércio, desfiguraram e destruíram ecossistemas inteiros. A natureza vai cobrar seu preço!
Então, amigos do Igarapé Água Branca, nossa estória agora vai falar de água, muita água. Tudo que acontecer no nosso belo igarapezinho vai ser contado pra vocês. No verão apareceu pica-pau amarelo, ariranha, bacurau, jacaré, araras, papagaios, curicas, “tesouras” ou andorinhão, jararaca pra caramba (contamos mais de 10), surucucus, mucura “xixica” (um dos menores marsupiais do planeta), Sauins-de-Coleira (bandos com até 12 animais), macacos guariba, parauacus e “gogó-de-sola” ou sagui da noite.
Vamos esperar pelo inverno com a máquina ligada e os guris que descobrem tudo que tá escondido no meio do mato da APA-Tarumã, mais espertos que nunca. Tá tudo só começando e já vamos lançar o primeiro bicho do inverno. Dá só uma olhada pra esse disfarce abusado. A pererecona é branca, mas tá tão bem conectada com a folha que parece um fungo enorme. Tem mais um detalhe: a “bicha” num é leza não. A talfolha fica bem em cima do leito do igarapé. Se um bicho esfomeado quiser devora-la, vai ter que ser hábil escalador, ou então cair direto na água, num local onde a correnteza é bem forte. Como eu disse a “bicha” num é leza!